Um
dos grandes entraves dos sistemas de saúde é a sua fragmentação que dificulta
a coordenação e continuidade do cuidado. A maioria dos países com sistemas universais de saúde utiliza o modelo centrado na Atenção Primária (APS), tonando-se
o centro da rede de atenção e responsável por coordenar as intervenções. No entanto,
há uma difícil comunicação entre níveis (atenção primária, especializada e
hospitalaria) tanto pelas barreiras nos canais de comunicação, como pela
burocratização do sistema, conflitos entre níveis e profissionais, falta de
vontade política e pouca credibilidade neste modelo. Outro grande obstáculo é a
dificuldade de mudança de paradigma, que segue centrado no modelo bio médico - focado
na doença, nos sintomas e na produção de sujeitos dependentes da assistência ao
invés de fomentar a autonomia, a crítica e a rede de apoio social.
O sistema de saúde brasileiro se organiza,
tradicionalmente, de forma verticalizada e hierarquizada, havendo uma
transferência de responsabilidade (encaminhamentos) e não um compartilhamento e
corresponsabilização do cuidado. Na tentativa de efetivar a mudança de
paradigma e modelo, bem como de superar a fragmentação da atenção e a verticalização
dos saberes e fazeres (gestão e atenção), propõe-se o arranjo organizacional de equipe de
referência (ER) e apoio matricial (AM) objetivando uma maior integração e corresponsabilização do cuidado interdisciplinar.
Função-Apoio
A função-apoio
vem sendo discutida desde 1999 por Gastão Campos
que a propõe como processo de democratização institucional e
método para superar a racionalidade gerencial verticalizada, compartimentalizada e produtora
de processo de trabalho fragmentado. Posteriormente, foi incorporada na
Política Nacional de Humanização, em 2004 (HumanizaSUS). No âmbito gerencial, estes arranjos buscam
consolidar uma cultura organizacional democrática e, no nível epistemológico,
visa a articulação do conhecimento para valorizar a singularidade dos casos e
possibilitar a integração e produção de saberes entre os diferentes profissionais da rede assistencial (entre níveis).
Apoio Matricial e Equipe de Referência
A equipe
de referência (ER) é o conjunto de profissionais responsável por determinada
população de um território, como na APS ou uma equipe que se responsabiliza
pelos mesmos usuários cotidianamente em um Hospital. A ER estabelece um vínculo
e a continuidade das ações em
saúde. O apoio matricial (AM) tem como função apoiar a ER para a qualificação e construção da rede assistencial integrada. Campos e Domitti definem AM e ER como
arranjos organizacionais e metodológicos para a gestão do cuidado, objetivando
expandir as possibilidades da clínica ampliada e integração das distintas
especialidades e profissões para assegurar maior eficácia e eficiência das
ações em saúde. Esta
proposta reorganiza os organogramas dos serviços, deslocando o poder das profissões e corporações de especialistas, reforçando o poder da equipe interdisciplinar. Dessa forma, a unidade gestora passa a ser a ER transformando
a lógica vertical das equipes especializadas, que passam a oferecer apoio
técnico horizontal às equipes interdisciplinares de referência.
Esta
metodologia fomenta a construção projetos terapêuticos integrados e articulados
entre equipes (de referência e apoiadores) e entre setores. Discutem-se modalidades de
interconsulta para operacionalizar o AM:
· Atendimento conjunto: consulta, visita domiciliar, coordenar um
grupo, realizar um procedimento - em conjunto com a ER;
· Discussão de
casos/formulação de projetos terapêuticos singulares.
Nas
duas formas, preconiza-se a participação de membros de ambas equipes (ER e AM) para
potencializar a troca e produção de
saberes e práticas em ato, ao aprender fazendo e produzir aprendendo, oportunizando
um processo de formação permanente dos trabalhadores e ampliando o olhar e a
capacidade resolutiva da atenção. Há, também, a possibilidade de intervenções
complementares especializadas dos apoiadores, quando necessário, com o
princípio de que a ER continua como responsável pela condução dos casos.
Apoio Institucional
Outro dispositivo importante nos processos de
mudança organizacional é o Apoio institucional. Trata-se de um dispositivo
para ampliar a capacidade de reflexão, entendimento e análise de coletivos, na
busca de fortalecê-los e qualificar suas intervenções e produção de saúde. Tem
como objetivo principal fomentar e acompanhar processos de mudança nas
organizações, ofertando suporte a estes movimentos. Utilizam-se conceitos e
tecnologias advindas da análise institucional e da gestão. O
apoio institucional tem como
diretriz a democracia institucional e a autonomia dos sujeitos e ocupa um lugar entre a
clínica e a política, no sentido da transversalidade das práticas e dos saberes
no interior das organizações.
Liana Della Vecchia
Entende-se a função do apoio como chave para a
instauração de processos de mudança em grupos e organizações, pois o objeto de
trabalho do apoiador é o processo de trabalho das equipes e como se organizam
para produzir saúde, buscando novos modos de operar. Através destes
dispositivos, é possível fomentar a sustentabilidade de sistemas de saúde
integrados e articulados, com intervenções resolutivas, equitativas e
acessíveis aos países e seus cidadãos. Finalizo com uma reflexão proporcionada
pelo Gastão Wagner Campos sobre a necessidade de repensar o modelo de gestão.
Liana Della Vecchia
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